Segundo a ONG, o nĂșmero de operações policiais é seis vezes maior que o registrado em 2021, quando houve sete incursões desse tipo. A Redes da Maré argumenta que a pesquisa mostra que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas, não impede a realização de ações policiais, como argumentado pelo governo fluminense.
"A ADPF é resultado de evidĂȘncias de que é preciso haver um controle sobre a atividade policial. A ADPF nunca foi para impedir que a polĂcia trabalhasse. Ao contrĂĄrio, a gente questiona que a operação policial seja a Ășnica forma de a polĂcia entrar aqui na Maré ou em qualquer outra favela", explica a diretora fundadora da Redes da Maré, Eliana Sousa Silva.
Das operações policiais realizadas em 2024, 88% foram próximas a escolas, que resultaram em 37 dias de suspensão das aulas, afetando cerca de 7.302 alunos em média. Além disso, cerca de 90% das operações aconteceram perto de unidades de saĂșde, o que resultou em 30 dias sem serviços bĂĄsicos de saĂșde, com 8.715 atendimentos adiados.
De acordo com a Redes da Maré, em apenas 26 das 42 operações policiais foi observada a presença de câmeras corporais e, em 17 delas, poucos policiais usaram o equipamento. Das 20 mortes registradas, somente quatro tiveram perĂcia de local. Em 17 casos, foram observados indĂcios de execução, a partir de relatos de moradores e evidĂȘncias coletadas por familiares das vĂtimas.
ADPF
A ADPF 635 foi impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 2019, sob a justificativa de que ações policiais incentivavam a letalidade promovida pelo Estado, em vez de prevenir mortes e conflitos armados.
Em 2020, devido à covid-19 e com base na ADPF, o ministro do STF Edson Facchin decidiu suspender as operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia. As ações deveriam ser restritas a casos excepcionais e ser informadas previamente ao Ministério PĂșblico do Rio de Janeiro (MPRJ).
Também foram determinadas a instalação de câmeras nas fardas e equipamentos de GPS de policiais, a gravação em ĂĄudio e vĂdeo nas viaturas e a restrição ao uso de helicópteros apenas para casos de estrita necessidade. A realização de ações próximas a creches, escolas e unidades de saĂșde deveria ser excepcional e justificada ao Ministério PĂșblico. Além disso, foi proibido o uso dessas instalações como base policial durante as operações.
Mas o governo do estado critica a ADPF sob a alegação de que ela prejudica o trabalho da polĂcia ostensiva. Em fevereiro deste ano, o governador fluminense, ClĂĄudio Castro, disse que achava positivas as situações em que a ADPF viesse a melhorar a atividade policial e a transparĂȘncia das ações, mas considerou que a "extraordinariedade" exigida para a realização das operações tirava do povo "o direito de ter uma polĂcia ostensiva". O julgamento da ADPF foi marcado para o próximo dia 26.
Outros dados
A pesquisa da Redes da Maré também traz dados sobre invasões de domicĂlio durante ações policiais. Em 2024, 93 casas de moradores foram invadidas sem mandado judicial por policiais. Em um Ășnico dia, 3 de setembro, foram 29 residĂȘncias invadidas.
As invasões naquele ano foram seguidas de violações de direitos como danos ao patrimônio (30 casos), subtração de pertences (dez), violĂȘncia fĂsica (seis), tortura (cinco) e ameaça (12).
De 2016 a 2024, foram 267 invasões, nas quais 67% das vĂtimas foram mulheres cis e mulheres trans e 72% foram de pessoas pretas ou pardas.
"A sociedade não pode aceitar, naturalizar que, na favela, a polĂcia esteja autorizada a não cumprir o que existe legalmente. A Ășnica forma de enfrentamento ao crime, às redes ilĂcitas, não pode ser vocĂȘ suspender direitos de uma população tão significativa. A cidade do Rio de Janeiro é composta de um terço de pessoas que moram em ĂĄreas de favelas e periferias", afirma Eliana.
A assessoria de imprensa da PolĂcia Militar informou que só comenta dados oficiais. A PolĂcia Civil não respondeu à redação.
AgĂȘncia Brasil