A sessão de homenagem foi proposta pela deputada federal Célia XakriabĂĄ (Psol-MG) e contou com as presenças de lideranças do movimento indĂgena; das ministras dos Povos IndĂgenas, Sônia Guajajara, e dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo, além da presidenta da Fundação Nacional dos Povos IndĂgenas (Funai), Joenia Wapichana, e do secretĂĄrio de SaĂșde IndĂgena do Ministério da SaĂșde, Ricardo Weibe Tapeba.
"Este é o Congresso Nacional que sonhamos para o futuro. O Congresso de um Brasil que começa conosco [indĂgenas], os primeiros brasileiros, e que, no entanto, somos o Ășltimo [grupo] a chegar ao Congresso Nacional", comentou a deputada Célia XakriabĂĄ.
A parlamentar presidiu a sessão ? marcada pela presença, no plenĂĄrio, de dezenas de indĂgenas paramentados com adereços tradicionais, muitos deles usando as pinturas corporais tĂpicas de seus povos.
Direitos
Durante a sessão da Câmara, um dos coordenadores executivos da Apib convidados a discursar, Dinamam TuxĂĄ, criticou iniciativas parlamentares que afrontam os direitos indĂgenas. A seu ver, as proposições desfiguram o texto constitucional, com propostas como o chamado Marco Temporal – tese jurĂdica segundo a qual os indĂgenas só teriam direito às terras que ocupavam em outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.
"Temos uma Constituição [Federal], aprovada por esta Casa, que ainda não foi implementada na sua totalidade. [Consequentemente] a violĂȘncia impera dentro dos territórios indĂgenas. Neste exato momento, por exemplo, hĂĄ fatos ocorrendo no território Pataxó [no sul da Bahia], bem como em outras ĂĄreas sob ataque. Esta violĂȘncia se estende por todo o território nacional e nós sabemos quem são os mandantes. Enquanto isso, esta mesma Casa estĂĄ se articulando e mobilizando proposituras de PECs [Propostas de Emenda à Constituição] e PLs [Projetos de Lei] que afrontam os direitos fundamentais dos povos indĂgenas", afirmou Dinamam.
A defesa da Constituição em vigor desde 1988 é uma das pautas da atual edição do Acampamento Terra Livre. Em parte porque, embora não tenha sido integralmente implementada, pode ser considerada um marco na conquista e garantia de direitos pelos povos indĂgenas, estabelecendo que as diversas etnias tĂȘm direitos sobre os territórios tradicionalmente ocupados por seus antepassados, e que cabe à União proteger estas ĂĄreas.
Acampamento
Com o tema "Apib Somos Todos Nós: Em Defesa da Constituição e da Vida", o 21° Acampamento Terra Livre estĂĄ estruturado em cinco eixos: "Apib Somos Todos Nós", "ResistĂȘncia e Conquista", "Desconstitucionalização de Direitos", "Fortalecendo a Democracia" e "Em Defesa do Futuro – A Resposta Somos Nós".
Segundo os organizadores do ATL, o evento "destaca o empenho dos povos indĂgenas na garantia dos seus direitos, previstos na Constituição Federal, além de celebrar a união e a resistĂȘncia da Apib", organização criada em 2005, durante a segunda edição do ATL.
"Quero saudar os 20 anos da Apib e os 21 anos do Acampamento Terra Livre, esta grande mobilização que jĂĄ se tornou não só a maior assembleia dos povos indĂgenas do Brasil, como também a maior mobilização indĂgena do mundo", comentou a ministra Sônia Guajajara.
"O ATL é sinônimo de luta, resistĂȘncia, teimosia, denĂșncia, mas não podemos nos esquecer de que ele também é sinônimo de beleza, diversidade, cultura e sabedoria ancestral", acrescentou a ministra
Sônia Guajajara atribui à mobilização polĂtica dos povos originĂĄrios a eleição de um grupo de parlamentares indĂgenas que, hoje, forma a chamada "bancada do cocar". Outra conquista dessa luta, na visão dela, é a própria criação do Ministério dos Povos IndĂgenas, em 2023, primeiro ano do terceiro governo Lula.
ResistĂȘncia
A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, lembrou que, hĂĄ mais de 500 anos, os indĂgenas brasileiros resistem ao processo de colonização de seus modos de vida. Joenia também fez coro aos que defendem a demarcação de terras da União destinadas ao usufruto exclusivo indĂgena como "uma estratégia de enfrentamento às crises climĂĄticas.
"Para isso, as demarcações [de terras indĂgenas] tĂȘm que ser respeitadas. Tem que haver investimento para a proteção dos territórios indĂgenas, para, assim, termos dignidade, soberania alimentar e para manter esta riqueza cultural que o Brasil sempre mostra nos cartões postais", comentou Joenia, que, em 2022, foi reeleita deputada federal por Roraima com o apoio da Campanha IndĂgena, criada pela Apib para apoiar candidatos indĂgenas comprometidos com o movimento.
Uma das mais importantes lideranças indĂgenas do paĂs, o cacique Raoni Metuktire, da etnia caiapó, apelou a todos os presentes para que prossigam com a luta de seus antepassados pelo cumprimento dos direitos indĂgenas.
"Temos que continuar defendendo nosso direito à terra para, um dia, podermos ter nossos territórios [?] Temos que estar firmes para continuar lutando contra os não-indĂgenas que querem destruir o que é nosso. VocĂȘs estão vendo, eu estou cada vez mais cansado. Agora, esta luta é com vocĂȘs, [indĂgenas] mais jovens [?]. VocĂȘs não podem entrar em conflitos entre vocĂȘs. TĂȘm que se respeitar, lutar e estar juntos, unidos, fortes contra qualquer ameaça", discursou Raoni.
Aldeamento
O secretĂĄrio nacional de SaĂșde IndĂgena, Weibe Tapeba, frisou que a criação do Ministério dos Povos IndĂgenas, comandado por uma indĂgena, bem como o fato de outros representantes indĂgenas ocuparem postos-chave na administração pĂșblica federal com o aval do movimento, é resultado da mobilização e organização indĂgena, no qual se insere o Acampamento Terra Livre e a criação da Apib.
"Estamos aldeando a gestão pĂșblica, aldeando este parlamento, por toda uma conjuntura de defesa dos direitos dos povos indĂgenas; de combater as violações. Eu queria reconhecer a importância do ATL e da Apib", reconheceu.
Weibe lembrou que foi durante a edição do acampamento de 2022 que o presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva, então pré-candidato, "assumiu o compromisso de criar o Ministério dos Povos IndĂgenas e colocar a Funai e a Sesai sob o comando de gestores indĂgenas".
"E aqui estamos nós. Isso demonstra a importância da articulação dos povos indĂgenas do Brasil, a importância do movimento indĂgena organizado e a importância de ocuparmos estes espaços", finalizou o secretĂĄrio nacional.
AgĂȘncia Brasil