
"Quando se fala do caminho das águas, é literalmente desse caminho que é percorrido pelas águas. E ela está aqui o tempo todo", diz a estudante de biologia Catarina Albuquerque, que, na sexta-feira (21), conduziu a trilha guiada As águas do Jardim Botânico. Catarina mostrou ao grupo que acompanhava a visita que estavam rodeados de canaletas por onde a água corria.
O passeio foi oferecido ao público pelo Jardim Botânico por conta do Dia Mundial da Água. O trajeto percorrido conta a história do sistema de águas, percorre estruturas ainda usadas e discute a preservação da natureza e a ocupação humana.
Percurso das águas
A iniciativa de construir esse percurso para as águas que corriam da nascente do Rio dos Macacos, próxima à Vista Chinesa, no Parque da Tijuca, foi de Frei Leandro do Sacramento, primeiro diretor botânico da instituição. A água é conduzida para garantir a umidade do local, e a irrigação abastece pontos de hidratação e chafarizes, que não precisam de bombas para funcionar – como o Jardim Botânico está em uma área mais baixa que a nascente, o declive impulsiona o fluxo para que água jorre naturalmente.
As canaletas servem ainda para escoar a água das chuvas e reduzir os alagamentos, que são frequentes na região. As águas chegaram a ser usadas ao longo da história para mover os pilões que misturavam carvão, enxofre e salitre para formar munição na Fábrica de Pólvora, localizada no Jardim Botânico e construída pela coroa portuguesa, quando a corte foi transferida para o Brasil, em 1808. A fábrica funcionou até 1831, quando foi desativada por conta de explosões. A estrutura pode ser visitada até hoje e fez parte do percurso da trilha das águas.
Além de passar pela Fábrica de Pólvora, a trilha guiada apresentou aos visitantes o Aqueduto da Levada, uma estrutura semelhante aos famosos Arcos da Lapa, na região central da cidade, mas bem menor. O aqueduto, construído em 1853, era usado para disciplinar o curso das águas.
"Essa água percorre toda essa trilha da Mata Atlântica, percorre o Jardim Botânico, passa pelo Jockey [localizado na zona sul da cidade] e deságua na Lagoa Rodrigo de Freitas. Só que, quando chove muito, o fluxo da água aumenta muito. O Jockey tem uma comporta que eles podem fechar para evitar que alague. Quando chove muito, eles fecham essa comporta, e, aí, o que é alaga é a rua", conta Catarina.
Outro ponto visitado foi o Lago Frei Leandro, um lago criado tanto com o intuito paisagístico como para abrigar plantas como as vitórias-régias. No percurso, também foi recordado quem de fato construiu esse sistema para as águas: pessoas escravizadas.
"O lago foi todo escavado. Ele teve esse intuito de ser paisagístico. A gente tem essa composição bonita das flores, das plantas. E ele levou o nome de Frei Leandro. Foi o Frei Leandro que cavou tudo sozinho? Claro que não foi isso que aconteceu. Estão vendo aquela árvore com uma placa ali embaixo? É uma jaqueira. O Frei Leandro ficava sentado embaixo dessa jaqueira, e os escravizados cavavam tudo, obviamente", ressaltou, Catarina.
Natureza e ocupação humana
A trilha passa por trechos de Mata Atlântica, dando destaque tanto à flora quanto à fauna local e mostrando a importância da preservação da natureza. Um grupo de macacos-prego, por exemplo, acompanhou parte das explicações dadas e encantou os visitantes.
"Você precisa conhecer para se interessar em preservar. Então, quando a gente vê as pessoas demonstrando interesse, mesmo que seja um grupo pequeno, mesmo que seja só uma pessoa ouvindo, dá aquela pontinha de esperança, porque a gente não pode desistir de acreditar num futuro melhor, né?", diz Catarina à redação após o fim da visita.
"Mesmo que tudo vá contra, mesmo que tudo indique o contrário, a gente tem que se agarrar em alguma coisinha. Então, a gente tenta fazer esse trabalho de formiguinha, que é falar: "Poxa, você não liga para essa árvore, mas você conhece a história dessa árvore? Você sabe que essa árvore faz isso, isso e isso. Isso muda totalmente a visão na pessoa", complementa a estudante.
O gestor ambiental Caco Sawczuk, que é supervisor geral de campo da Coordenação da Conservação da Área Verde do Jardim Botânico, e acompanhou a visita, ressalta que conhecer a natureza é importante para entender fenômenos que impactam diretamente as pessoas, como as inundações que ocorrem frequentemente na região.
"A questão da inundação já é conhecida no Rio de Janeiro. Tem muita região aterrada. A própria Lagoa Rodrigo de Freitas tinha o dobro do tamanho. Quando chove, essa água volta para lá. Você pega um dia de muita chuva com um dia de maré alta na praia, a água não sai. Não tem como não inundar", diz.
Para um dos visitantes, o estudante de ciências sociais João Novello, a água representa a ligação de ambientes de natureza com ambientes urbanos. Ele se interessou pela visita para entender melhor como isso foi feito no Jardim Botânico ao longo da história.
"[O interesse] veio de uma preocupação ambiental, de pensar como as cidades podem se combinar com a natureza de uma forma menos predatória", diz. "Agora, eu me interessei pela água como essa mediação da natureza com a cidade, que atravessa esses dois tipos de ambiente de diferentes formas, seja pelas infraestruturas, seja como fonte mesmo de lazer, de paisagismo".
Dia Mundial da Água
O Dia Mundial da Água, em 22 de março, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de chamar atenção para as questões sobre os recursos hídricos do planeta.
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi fundado em 13 de junho de 1808. A instituição surgiu de uma decisão do então príncipe regente português, D. João VI, de instalar uma fábrica de pólvora e um jardim para aclimatação de espécies vegetais originárias de outras partes do mundo.
Atualmente, o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro é um órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e é considerado um dos mais importantes centros de pesquisa mundiais nas áreas de botânica e conservação da biodiversidade.
Fonte: Agência Brasil