Além de monitorar e criar um banco de dados de ocorrĂȘncias desse tipo, o Observatório da ViolĂȘncia Contra Jornalistas servirĂĄ também de canal de diĂĄlogo entre profissionais da ĂĄrea e o Estado, visando, inclusive, a elaboração de polĂticas pĂșblicas especĂficas e apoio a investigações.
De acordo com a Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), órgão do MJ ao qual o observatório estĂĄ vinculado, ele terĂĄ, entre seus objetivos, monitorar ocorrĂȘncias, sugerir polĂticas pĂșblicas, apoiar investigações e criar um banco de dados com indicadores sobre os casos.
O observatório serĂĄ composto por representantes de diversas secretarias da pasta, bem como por 15 membros da sociedade civil com atuação comprovada na defesa da liberdade de imprensa e no combate à violĂȘncia contra comunicadores.
Fenaj
Entre as entidades que participaram dos debates visando sua criação estĂĄ a Federação Nacional dos Jornalistas ( Fenaj). Segundo a presidente da entidade, Samira de Castro, a exemplo do Conselho Federal de Jornalistas, essa é também uma demanda antiga da categoria.
"Desde o primeiro momento, o observatório era demanda da sociedade civil ligada ao campo do jornalismo. A situação se agravou muito durante os quatro anos do governo Bolsonaro, culminando nos atos de 8 de janeiro. Foi quando levamos uma proposta inicial ao então ministro da Justiça FlĂĄvio Dino", explica a presidente da Fenaj.
Segundo Samira de Castro, durante a gestão à frente do MJ, FlĂĄvio Dino deu inĂcio à estruturação do observatório. "No entanto, com a sua saĂda para o STF [Supremo Tribunal Federal], tivemos de partir as discussões praticamente do zero com a nova equipe ministerial".
Entre as contribuições iniciais feitas pela sociedade civil, estão a elaboração do regimento interno do observatório e a composição de seu conselho.
Olhar do Estado
"A criação do observatório representa um olhar do Estado brasileiro sobre a garantia do direito humano que é o de acesso à informação. Nunca houve um mecanismo desse tipo, com olhar voltado especificamente não apenas para jornalistas, mas para comunicadores e pessoas que garantem direito de acesso à informação a suas comunidades", explicou Samira à AgĂȘncia Brasil.
A entrada do Estado nessa causa, segundo a jornalista, é um fato muito importante, inclusive para lidar com questões burocrĂĄticas da profissão, quando se torna necessĂĄrio o enfrentamento à violĂȘncia praticada contra jornalistas.
"Diversas entidades ligadas ao jornalismo, inclusive o Repórteres sem Fronteiras e a própria Fenaj, fazem acompanhamentos sobre a violĂȘncia que é praticada contra jornalistas. Nossos relatórios, no entanto, não tĂȘm papel nem peso do Estado. Essa construção com a sociedade civil é um grande diferencial".
PolĂticas pĂșblicas
Ela ressalta a possibilidade de, a partir das denĂșncias levadas ao observatório, se construir polĂticas pĂșblicas voltadas especificamente aos jornalistas, de forma a garantir que exerçam, da melhor forma, a profissão em suas especificidades.
Para Samira, é também importante para a proteção dos chamados comunicadores populares, que atuam em ĂĄreas não diretamente ligadas a direitos humanos, mas que também sofrem ameaças. "É o caso, por exemplo, de repórteres que cobrem polĂticas locais no interior do paĂs. Antes, essa proteção estava restrita àqueles que trabalhavam diretamente na ĂĄrea de direitos humanos".
De acordo com a dirigente da Fenaj, os grupos formados no âmbito do observatório ficarão atentos também "à confusão causada por influenciadores e os pseudojornalistas", referindo-se a pessoas que, sem estudo adequado e sem diploma em jornalismo, reivindicam, para si, a profissão.
"Isso se intensificou após o STF considerar desnecessĂĄria a formação acadĂȘmica em jornalismo. A Fenaj sempre defendeu a profissionalização, claro que dando atenção também aos comunicadores populares, quando produzem material próximo ao jornalismo, ajudando sua comunidade a ter acesso a informações relevantes", acrescentou.
Para a Fenaj, a retirada da obrigatoriedade de diploma acadĂȘmico para o exercĂcio da profissão tem influĂȘncia direta na banalização de uma atividade profissional necessĂĄria e estratégica para a sociedade.
Ela lembra que o próprio presidente do STF, ministro LuĂs Roberto Barroso, tem declarado que o Brasil nunca precisou tanto de uma imprensa qualificada, e que essa constatação veio após o próprio STF ter retirado o critério mĂnimo para o exercĂcio da profissão.
"Precisamos retomar essa discussão urgentemente, em meio a tantos perfis de redes sociais que se autointitulam jornalistas, emitindo a todo momento todo tipo de opiniões desqualificadas", argumentou.
A presidente da Fenaj explica que, para atuarem no gĂȘnero opinativo, os jornalistas precisam estar minimamente embasados, ouvindo especialistas, não podendo se guiar pelo senso comum nem pelos achismos.
"Outros atores não se atĂȘm nem mesmo à realidade do fato para emitir opinião. Opinam sem embasamento sobre questões que são importantes para a sociedade. Vidas podem ser colocadas em risco também por conta disso. Sem falar nas prĂĄticas criminosas cometidas por eles, quando pregam intolerância religiosa, racismo, LGBTfobia", disse.
Fato jurĂdico
Diante desse cenĂĄrio, a Fenaj tem buscado se aproximar dos ministros do STF, a fim de viabilizar um reposicionamento sobre a questão do diploma. "Na época em que a suprema corte tomou a decisão, não havia plataformas de redes sociais com tamanho alcance e influĂȘncia. Esse é um fato novo que, por si, justifica a retomada e a revisão do julgamento", argumentou.
"Vivemos atualmente um cenĂĄrio extremamente contaminado onde praticam o que chamo de pseudojornalismo. O observatório terĂĄ critérios objetivos de atuação em relação a esse tipo de situação também, mas com base em referĂȘncias da academia, que também vai compor grupos de trabalho do observatório", acrescentou a dirigente referindo-se aos integrantes do observatório, que terĂĄ, em sua composição, conselheiros pĂșblicos, sociedade civil e por representantes de ministérios como Justiça, Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres.
AgĂȘncia Brasil