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Fetos abandonados

Defensoria do Amazonas viabiliza o sepultamento de 17 fetos abandonados em maternidade pública de Manaus

Esta ação foi movida na tese "Custos Vulnerabilis", que prevĂȘ a atuação da Defensoria PĂșblica em casos de vulnerabilidade social.


Imagens: Márcio Silva/DPE-AM

A Defensoria PĂșblica do Estado do Amazonas (DPE-AM) viabilizou o sepultamento de 17 fetos abandonados na Maternidade Ana Braga, localizada na Zona Leste de Manaus. A ação inédita destaca a atuação da DPE-AM em casos de extrema vulnerabilidade social, com base na tese Custos Vulnerabilis, que assegura o direito de atuação da Defensoria PĂșblica em situações que envolvam a fragilidade de pessoas ou grupos em situações de risco ou abandono.

O sepultamento ocorreu no cemitério Nossa Senhora Aparecida, localizado no bairro Tarumã, Zona Oeste da capital. O ato contou com o auxĂ­lio da Prefeitura de Manaus por meio da equipe SOS Funeral, que realizou a logĂ­stica do enterro.

Os fetos, que nasceram mortos ou faleceram logo após o nascimento, foram abandonados por suas mães — mulheres em situação de vulnerabilidade social — e estavam armazenados hĂĄ pelo menos trĂȘs anos no local, sem qualquer perspectiva de um enterro digno, jĂĄ que a maternidade tentou contato com os responsĂĄveis, sem sucesso.

A ação, que envolveu a judicialização para a autorização de sepultamento e o registro tardio de óbito, chegou à Defensoria por meio do ComitĂȘ de Enfrentamento à ViolĂȘncia Obstétrica no Amazonas. Em seguida, o caso foi assumido pela Defensoria Especializada no Atendimento de Registros PĂșblicos, que tem como titular a defensora pĂșblica Rosimeire Barbosa, responsĂĄvel por conduzir todo o processo.

"Após termos conhecimento da situação, verificamos como a Defensoria do Amazonas poderia atuar para garantir a estas crianças um enterro digno. Durante esse processo, constatamos que as mães estavam em extrema vulnerabilidade, sendo, em sua maioria, pessoas em situação de rua e dependentes quĂ­micas. Por isso, decidimos ajuizar essa demanda para obter a autorização de sepultamento combinada com o registro tardio de óbito", explicou a defensora.

Quando um bebĂȘ morre recém-nascido ou nasce morto, a maternidade deve seguir alguns passos. Primeiro, é necessĂĄrio obter a declaração de óbito feita pelo médico e levĂĄ-la ao cartório para a emissão tanto da certidão de nascimento quanto da de óbito.

Após isso, o SOS Funeral é acionado para dar continuidade ao processo. Se o feto pesa menos de 500 gramas, ele é descartado; no entanto, quando o peso é superior, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece que o corpo não pode ser descartado e que o sepultamento, assim como a emissão do registro de óbito, é obrigatório.

Esse era o caso dos corpos abandonados. Dessa forma, com base na lei, a Defensoria do Amazonas obteve resposta positiva do juĂ­zo e foi autorizada a realizar o enterro. Contudo, surgiram dois fatores complicadores: a falta de espaço para o sepultamento e a intervenção de um terceiro interessado, que se apresentou para cremar os corpos das crianças.

De acordo com a legislação brasileira, a cremação só pode ser realizada com autorização da famĂ­lia ou em situações de saĂșde pĂșblica. Como não havia autorização das famĂ­lias, não seria possĂ­vel a cremação. A Defensoria, então, procurou auxilio da Procuradoria Geral do MunicĂ­pio (PGM), para garantir um sepultamento digno no cemitério, assegurando que as crianças fossem enterradas de forma adequada.

Após obter a autorização judicial, a Defensoria PĂșblica acionou o SOS Funeral, um serviço da Prefeitura de Manaus criado para atender pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica que não tĂȘm condições de arcar com os custos dos serviços funerĂĄrios em casos de óbitos.

O gestor do SOS Funeral, João ClĂĄudio Nobre, acompanhou todo o processo de enterro dos 17 fetos e auxiliou na reserva do espaço para o sepultamento. "Estamos aqui não só pelo dever, mas também por entender o papel da Defensoria neste ato, que é acolher pessoas em situação de vulnerabilidade, assim como é o papel do nosso serviço: dar atenção e suporte àquelas que não podem arcar com esses custos", explicou João ClĂĄudio.

"Em hipótese alguma recusarĂ­amos uma solicitação como esta, não só pela obrigação, mas pela questão social. São crianças que infelizmente nasceram em vulnerabilidade nessas maternidades e estavam armazenadas hĂĄ anos. Nossa função foi viabilizar este ato, dando todo o suporte necessĂĄrio para a conclusão digna desse processo", finalizou.

Atuação em prol dos invisĂ­veis

A Defensoria, atuando nos registros pĂșblicos, pôde, na ausĂȘncia das mães ou familiares, garantir os direitos dessas crianças mesmo após a morte.

"Quando me deparei com este caso, não pude fechar os olhos. Percebi a importância de trabalhar para que estas crianças pudessem ter um funeral digno. A Defensoria não pode se furtar de situações como esta. Nosso papel é buscar soluções para demandas da vida real, defender os mais vulnerĂĄveis, trazer visibilidade a quem estĂĄ fora dos centros de poder e garantir que seus direitos, mesmo os mais bĂĄsicos, sejam respeitados", expressou a defensora pĂșblica.

Com a conclusão do sepultamento, a Defensoria PĂșblica do Amazonas possibilitou um desfecho legal para o caso. Com o sentimento de dever cumprido, a defensora Rosimeire Barbosa destacou que, ao pensar em ser defensora pĂșblica, jamais imaginou representar um caso como este.

"Quando estudamos para o concurso da Defensoria, não podemos prever casos como este. Porém, além de promover justiça, assumi também a responsabilidade de trazer paz às famĂ­lias invisĂ­veis dessas crianças, que agora poderão descansar dignamente. Reafirmei o compromisso com a população mais vulnerĂĄvel, dando voz a quem não pôde ser ouvido", concluiu.

Recomendação

A Defensoria PĂșblica trabalha agora para apresentar uma recomendação à Secretaria de Estado da SaĂșde (SES-AM), visando estabelecer um protocolo claro e eficaz para o sepultamento e registro de óbitos de pessoas que permanecem nas unidades hospitalares sem identificação ou responsĂĄveis.

O procedimento, jĂĄ previsto em lei, busca garantir que essas mortes sejam registradas dentro do prazo legal, evitando sobrecarga nos necrotérios e possĂ­veis demandas judiciais.

Além de reforçar o cumprimento das normas, a medida pretende assegurar que os responsĂĄveis pelas unidades hospitalares tenham pleno conhecimento e aplicação dessas diretrizes, evitando casos de negligĂȘncia e garantindo a dignidade dos falecidos.

DPE-AM

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